Há alguns anos começaram a chegar às prateleiras os primeiros rótulos de vinhos com destaque para “orgânico”, “biodinâmico”, “natural” e “sustentável”, e certamente a maioria dos apreciadores de vinho ainda não sabe diferenciar um do outro, por se tratar de técnicas muito recentes e pouco divulgadas de métodos de plantio, vinificação e maturação do vinho. Até nas reuniões de especialistas e críticos o termo “biodinâmico” ainda provoca muita controvérsia entre os seus defensores e os que chegam a odiar a teoria por achá-la excessivamente mística.
Provei a primeira vez em 2009 participando de uma degustação promovida pela importadora Tire-Bouchon no lançamento de vinhos orgânicos e biodinâmicos produzidos no Chile pela Vinícola Emiliana, onde foram apresentadas as novas formas de se fazer vinho, utilizando métodos antigos. Os vinhos apresentados foram o Biodinâmico Coyam (que significa “floresta de carvalhos” no idioma mapuche e é a árvore plantada em torno dos vinhedos que dão origem a este vinho), e o orgânico Adobe (barro), uma família de vinhos produzidos a partir de uvas orgânicas e fermentados em toneis de barro. Gostei muito dos vinhos, mas mesmo assistindo a uma apresentação sobre a vinícola, saí sem saber diferenciar os dois com clareza.
Minha expertise em vinhos não vai muito além de apreciador e leitor das publicações do ramo, procurando sem muita sofisticação separar os bons dos ruins e garimpar, para meu consumo, os “best buy” do mercado. Fui atrás de saber a diferença entre orgânico e biodinâmico e depois de muita conversa e pesquisa, compartilho aqui um resumo do resultado para quem ainda não conhece e é curioso como eu.
Agricultura Orgânica
Agricultura orgânica é baseada em dois conceitos principais:
1- Biodiversidade, onde se promove o desenvolvimento e a coexistência de varias espécies agrícolas distintas dentro de um mesmo espaço físico. No caso dos vinhedos, isto é conseguido por meio de corredores biológicos entre as parreiras, onde se cultivam espécies diferentes de plantas, flores e gramas, que atraem insetos e que por sua vez combatem as pragas. Os animais que vivem ao redor dos vinhedos completam o circulo de harmonia. Os cavalos aram o terreno, patos e galinhas comem os insetos e cabras e ovelhas comem a grama e ervas daninhas.
2- Sem uso de agrotóxicos – pesticidas, herbicidas e fertilizantes são substituídos por produtos naturais como casca de uva, resíduos vegetais e esterco de animais.
Este tipo de agricultura produz uvas isentas de resíduos tóxicos, além reverter os problemas causados pela agricultura tradicional como degradação do solo, desertificação, poluição e perda da diversidade genética.
Os vinhos orgânicos são os produzidos a partir das uvas de agricultura orgânica e utilizando mais mão de obra e menos equipamentos automáticos.
Nos vinhos orgânicos ainda se utilizam alguns químicos como enzimas, acido ascórbico e sultifos para conservação, porém em doses bem mais baixas do que na produção em escala industrial.
O primeiro vinho orgânico do Brasil foi um Cabernet Sauvignon elaborado pela vinícola Velho Museu em Santana do Livramento no Rio Grande do Sul, apresentado em 1997 pelo produtor Juan Carrau, um dos herdeiros da tradicional bodega Carrau do Uruguay, e até hoje produz vinhos orgânicos Cabernet Sauvignon e Gewürztraminer em terras brasileiras.
Vinhos Biodinâmicos
Os biodinâmicos são produzidos com uvas de agricultura orgânica, porém com muito mais detalhes. A biodinâmica nasceu do pensamento do filósofo Rudolf Steiner (1861-1925), criador da Antroposofia. É uma teoria bastante complexa que se apoia em 3 princípios básicos:
1- O campo é um ser vivo e tem um equilíbrio natural que deve ser mantido, ou seja, a interferência humana não deve alterar este equilíbrio e sim ter por objetivo preservá-lo.
2- As plantas estão expostas à luz do sol, da lua e dos planetas e tem ritmos e ciclos regulares.
3- Para dinamizar e revitalizar a terra deve-se promover a interação do mineral, vegetal e animal utilizando-se biodinâmicos homeopáticos.
Em resumo, a utilização de ervas e elementos naturais dinamizados em substituição dos fertilizantes químicos, promove a harmonia dos microrganismos do composto e facilita a digestão da matéria orgânica em sincronismo com os ritmos do universo. Não se utiliza tratores para arar a terra e nem máquinas para colheita.
O processo para produção de vinho biodinâmico se inicia na preparação do terreno e no plantio das videiras nas épocas certas (conforme o calendário Maria Thun, cientista austríaca discípula de Steirner, que publicou um calendário para agricultura baseado nos ritmos astronômicos). A poda das videiras, a colheita das uvas e a preparação do vinho também são feitas sempre de acordo com a posição dos astros.
O mosto fermenta espontaneamente sem acréscimo de culturas de fermentos, não se utiliza ar condicionado e no máximo abre-se ou fecham-se portas para controlar a temperatura, pois neste processo, cada vinho tem sua curva de temperatura e a fermentação termina espontaneamente. Só assim é possível se obter vinhos com as características de cada safra e de cada terreno.
Outro ponto importante é a utilização de sistemas de transporte do vinho por gravidade, sem bombeamento, aproveitando os desníveis do terreno. A vinificação e fermentação são feitas em toneis nas partes mais altas do terreno e o vinho é transportado por decantação natural até os toneis de maturação. Tanques de inox só durante o manuseio, o armazenamento é em pipas de madeira. Queima-se enxofre nas pipas.
O engarrafamento se procede com Lua ascendente, sem filtragem, não antes de seis meses, mas pode ser até depois de dez anos.
Vinhos Naturais
Os vinhos chamados naturais são produzidos com um estilo simplificado, onde se tem a mínima intervenção no processo de vinificação. Não necessariamente se utilizam uvas orgânicas ou biodinâmicas em um vinho natural, mas o processo de fermentação tem que ser totalmente natural e não se permite a adição de taninos, corantes ou enzimas, que são responsáveis pela homogeneização do vinho. A maioria também não é filtrado antes do engarrafamento e o resultado são vinhos com personalidade e diferenciados.
Sustentabilidade
Em todas as técnicas naturais, orgânicas e biodinâmicas, a utilização de métodos de agricultura sustentável é ponto comum. Práticas sustentáveis incluem compostagem, promovendo a predação natural no lugar de sprays químicos, e outras que ajudem a minimizar o consumo de água, químicos e a transformação do solo, mantendo o solo rico em nutrientes e saudável para a próxima safra.
Para saber mais sobre os princípios da Biodinâmica visite o site http://www.biodinamica.org.br/